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Junho 27, 2022

santo amaro

contos | 12 min de leitura 📖

Publicado originalmente pela editora Lendari na antologia Creepypasta: Lendas da Internet Vol III 😊

Santo Amaro é um conto inspirado em Creepypast e narra a história de jovens estudantes e um professor em uma visita a um hospital psiquiátrico abandonado e o encontro com uma entidade sinistra.

Sugestão para acompanhar a leitura:



Santo Amaro

— Isso é besteira! — disse Amanda em voz alta. Marcos, riu.

O grupo de alunos encarou o professor com opiniões divergentes. Marcos era um professor simpático, bem acolhido entre os alunos por ser jovem, usar palavrões, conhecer o diálogo da galera e estar por dentro de tudo, era o reflexo do punk que crescia nos anos 90 e aos poucos incitava a liberdade de expressão. Mas também era alvo de muitas críticas por muitas vezes ser visto como grosseiro e até ridículo. Marcos sabia disso, era óbvio, mas nunca se importou.

— O pessoal está chegando. Vamos demorar nessa aula? — questionou Jonas. 

Estavam em quatro e mais dois alunos se aproximavam. A turma era pequena, como o de costume no final de cursos superiores.

— Relaxa, Jonas! Vai ser rápido. O trabalho de conclusão de vocês compreende em uma reestruturação. Acredito que esse seja o local perfeito pra isso — respondeu Marcos. — Assim que nossos amigos chegarem, vamos entrar. 

— O mapa está com a Joice, não vamos nos perder... e por falar em Joice, onde está a unha dessa carne? Alguém viu a Rose? Ah! E o John, claro.

***

— Nós vamos nos atrasar, John... não... não... — A frase foi descontinuada para dar lugar a um intenso gemido. John afagou os seios de Rose enquanto beijava seu pescoço.

— A aula, seu idiota. 

— Não esquenta, logo vamos... só mais um pouco.

As janelas do velho Buick suavam junto ao casal entre beijos e suspiros. A rua vazia de fim de madrugada refletia a pouca luz restante da lua sobre o asfalto ainda encharcado da madrugada chuvosa. Naquela época do ano era comum o sol ainda não ter nascido antes das 8h da manhã. 

Alguns metros dali, do outro lado da rua, os alunos de arquitetura se reuniam para entrar no edifício abandonado onde um dia existiu o hospital Santo Amaro.

***

— Joice! Está com o mapa?

— Estou sim! Consegui a planta do prédio no início da semana. Foi difícil encontrar algo naquela biblioteca bagunçada como o inferno, mas encontrei — respondeu a moça entregando uma folha dobrada ao professor.

— Sabem o que dizem desse lugar? — perguntou Iara.

— Não começa com isso Iara! Não gosto dessas coisas supersticiosas e demoníacas — retrucou Roger, ansioso com as palavras da amiga.

— Há um motivo pra esse ser um dos únicos prédios não invadidos da região. Tem uma porrada de fantasma aí! Não gosto da ideia de entrar! — exclamou a moça, apreensiva.

— Como vocês são estúpidos! — O professor ajeitou o óculos sobre o nariz. — São só paredes velhas e um amontoado de lixo. Essas lendas são típicas de hospitais psiquiátricos abandonados. Mas alguém pelo menos sabe me dizer o que eles têm em comum? 

— Lobotomias, assassinatos, desaparecimentos, experiências macabras?

— Exatamente, Roger. Mas não se preocupem, não é a primeira vez que visito esse lugar. Na verdade, esse prédio foi pauta do trabalho do semestre passado da turma do outro Campus. A diferença é que a prefeitura nos permitiu pôr a mão na massa, enquanto eles apenas estudaram.

— Ouvi falar que a cada dez anos acontece algo ruim aqui — comentou um deles.

— Não era vinte? — soltou Marcos, debochando.

Ele se virou para todos. Consultou o horário no relógio.

— Bom, vamos entrar? Acho que o belo casal da turma decidiu não participar dessa aventura. Boa sorte no projeto para eles. 

Marcos se virou para o portão e destrancou o cadeado. Os alunos se aproximaram, um ranger das dobradiças enferrujadas fez o grupo se amontoar. O professor olhou de canto e sorriu sutilmente descrente da infantilidade de seus alunos já adultos.

O grupo caminhou até a escadaria frontal do edifício. Passos calmos, curtos e barulhentos, pois apenas isso se ouvia na escuridão sob a cobertura da fachada.

 Um som grave ecoou no salão principal do edifício quando o professor empurrou a trava da porta após soltar o cadeado e as correntes. Ele quase caiu para dentro com o embalo da força que usou para abrir.

— Porra! Ainda tem morto aqui dentro? — Murilo disse quase vomitando ao levar as mãos ao rosto.

O professor tirou a lanterna do bolso para iluminar o salão e de imediato flagrou alguns roedores mortos no canto da porta. Os alunos também se muniram de lanternas pequenas.

— Ali está o seu defunto! — exclamou o professor, rindo.

Iara e Gisele se agarram aos amigos e os rapazes se entreolharam tensos.

— Esse cara é um idiota — cochichou um deles. Os outros assentiram enquanto o professor caminhava vasculhando o salão.

A atenção de todas foi tomada de repente por um som estridente., oO grupo se agitou, mas logo o susto se converteu em raiva ao perceberem que era apenas Marcos empurrando alguns latões jogados pelo chão.

— Puto! Estou cansada disso, quero sair daqui — disse Iara, trêmula. 

Murilo não estava tão agitado quanto os demais, mas ficou preocupado com a ansiedade da amiga e o comportamento desdenhado do professor. Ele suspirou, enquanto todos caminhavam lentamente e juntos iluminavam os cantos do local.

— Só tem uma porta? Está certo isso? — questionou o professor, encarando Joice.

— Era um manicômio, deveriam haver mais? — Ela respondeu e o grupo se entreolhou.

***

— Essa merda está trancada! Será que era hoje mesmo?

— O quê? — John se virou rapidamente para Rose. Estava distraído observando alguns pássaros frenéticos voando como vultos na escuridão para o topo do edifício.

— A visita era hoje mesmo? — perguntou Rose.

— Sim, hoje é quinta.

Um relâmpago surpreendeu o casal. Rose sentiu o frio do portão de ferro enrijecer seus dedos e logo seu corpo todo congelou ao ouvir um grito desesperador.

— Meu Deus! O que foi isso?

John sentiu um nó na garganta, mas correu ajudar ela a empurrar o portão.

— Está trancado?

— Se eles entraram, porque iriam trancar? — Ele retrucou.

Ambos continuaram a forçar a entrada, quando outro grito, agora carregado de dor e desespero, chegou ao portão.

***


— Consegui! — exclamou Marcos, ao soltar a trava da porta do corredor.

Um assobio trêmulo incomodou a todos. O vento escapou levemente pela porta. Era nítido que há muito tempo nada havia entrado lá.

— Olha, tô suave e indo embora, boa sorte! — exclamou Iara. Roger segurou ela pela mão.

— Se acalma — disse ele.

— Enquanto vocês decidem, eu vou indo. São vocês que precisam terminar esse trabalho. Não percebem o bem que vão fazer dando uma nova vida pra esse lugar? — O professor tinha razão e eles sabiam. Talvez o medo fosse só calor do momento. Amaro era um local de muitas histórias na cidade, mas um espaço com potencial para se tornar um local próspero e útil.

Joice se aproximou da porta, Marcos já havia se adiantado dez passos. Ela encostou na lateral quando outro som ecoou do corredor, passando como um bafo quente pelo professor e se espalhou pelo salão como um grito escandaloso. A porta bateu forte e de surpresa. Iara caiu para trás junto com Roger, logo depois de Joice rolar sobre Amanda.

— Que porra é essa? — gritou Jonas.

— Joice! — exclamou Bruno, indo até a amiga. Ela, atordoada, se virou para ele e então sentiu um forte ardor na mão e logo um dor intensa percorreu seu braço inteiro. Ela então gritou o mais alto que podia ao perceber o sangue jorrando da mão e os dedos que lhe faltavam.

— Ai, meu Deus! — Iara chorava e gritava.

Pancadas na porta soavam como trovões dentro do salão.

— Ei! Estão de sacanagem comigo? — praguejava o professor. — Abram essa porta e me deixem sair agora!

— Iara! Use o lenço da Amanda pra enrolar na mão dela! Bruno, me ajuda aqui! — Roger tentou assumir o controle da situação e foi até a porta. — Não fechamos, ela bateu sozinha, a Joice se machucou!

— Eu vou puxar, tentem empurrar! — Marcos agarrou firme na porta.

Os três trabalharam com afinco, mas a porta não cedeu. Roger olhou em volta e flagrou um extintor velho na parede, ao fim do balcão no centro do salão.

Marcos gritou, mas gritou desesperado.

— O que está acontecendo? — perguntou Amanda, ao berros.

Marcos sentiu seu coração apertado, todos seus sentidos se aguçaram. Ele virou rápido para o corredor e flagrou uma silhueta estranha ao final dele. Ela se arrastava lentamente em sua direção. Era como um borrão fosco se destacando na pouca luz que invadia pelos corredores que cruzavam o principal. Ele apertou os olhos sob as lentes grossas do óculos, mas não foi o suficiente. Sentiu a boca secar e um ruído estranho que logo se transformou em uma espécie de rosnado. A silhueta se aproximava e não apenas passava pelas macas, bancada e lixos que haviam pelo caminho, mas tudo parecia se fundir a ela.

O professor berrou ao sentir uma dor aguda cortar seu crânio de ponta a ponta. Caiu de joelhos com as mãos cobertas de sangue que escorriam dos seus ouvidos. Ele cerrou os dentes e olhou para frente novamente, mal conseguia segurar a saliva na boca. A silhueta continuava a se aproximar lentamente. 

A dor o atordoou novamente e ele se jogou contra a porta, disparando fortes pancadas. Consumido por um frenesi aterrorizado, sequer percebeu quando seus ossos começaram a se partir a cada murro contra a chapa de madeira e metal.

— O que foi isso? O que está acontecendo com ele? — Amanda estava começando a se desesperar.

— Não sei! — exclamou Roger, enfurecido para não transparecer o medo. Ele correu com o extintor nas mãos e começou a golpear a trava da porta. Uma, duas, três, quatro, cinco vezes e parou.

Um silêncio tomou conta do salão e também do corredor. A porta se abriu lentamente após um estalo abafado. Roger se aproximou e a empurrou, até flagrar Marcos em pé e cabisbaixo logo à sua frente.

— Professor! — gritou Iara.

— Cara, o que... — As palavras faltaram na boca de Jonas. 

Marcos estava inerte, mas logo notaram um brilho sutil na sua mão. Roger se aproximou, tirando o professor da vista de todos.

— Roger! Roger! — A voz de Amanda tremulou.

Ele se virou lentamente com as mãos no pescoço. O grupo todo ficou em choque. O sangue fugiu das jugulares do garoto, encharcando rapidamente o chão.

Um som abafado os surpreendeu quando a mão do professor passou pela lateral da nuca de Roger, carregando um bisturi. A cabeça do garoto inclinou, mostrando uma abertura no pescoço. Ele caiu e todos ficaram desesperados. Marcos os encarou, com um brilho obscuro no olhar.

***

John estourou o cadeado com um pé de cabra, enquanto Rose o acelerava após ouvir mais gritos.

— O que houve aí? — Ela buscou respostas, aflita.

John não disse nada, mas estava visivelmente apreensivo. Ela o agarrou pela mão e, munido com o pé de cabra, eles se aproximaram da porta sobre a escadaria. O sol lentamente surgia e a escuridão se recolhia. 

Eles se esforçaram pra ver pelo vidro sujo da porta principal. John deu um passo para trás e Rose se afastou alguns passos aos prantos e com as mãos no rosto. John gritou e começou a bater com o ferro contra a porta, enquanto via o professor rasgando seu amigos. Ele parou de golpear, Amanda se jogou contra o vidro. Com sangue no rosto e o olhar abatido, ele a encarou. 

Marcos a prensou forte contra o vidro e rapidamente passou a lâmina no pescoço da moça. Ela escorregou lentamente até cair e o sangue escorrer, formando uma poça e fluindo para fora sob a porta. John a encarava incrédulo enquanto Rose se debatia sem saber exatamente o caos que dominava seus sentimentos. 

John ouviu um choque contra a porta e se afastou rapidamente. Marcos havia se jogado contra a estrutura e logo sumiu no salão. Novamente, ele correu em direção à porta e se jogou com ainda mais ferocidade. 

O vidro trincou. 

Ele sumiu e surgiu investindo insistente. John correu até Rose, a ajudou a se levantar e caminharam rapidamente até o portão. Outro som do impacto e eles olharam para a porta. Um silêncio breve se fez... Marcos atravessou o vidro e caiu sobre um pedaço partido que se mantinha em pé. A ponta atravessou seu intestino e o suspendeu como uma lança, fazendo litros de sangue escorrer enquanto ele se debatia nos últimos suspiros e apontava o bisturi para o casal.

***

Thread do CreepsShitCreepy no Twitter:

18 de julho de 2005 - 22h31 min.

Um incidente lamentável tomou a atenção das autoridades no edifício abandonado de Santo Amaro, depois que um grupo de adolescentes invadiu o lugar para festejar e vandalizar. De oito jovens, sete foram encontrados mortos, mutilados. Apenas uma jovem sobreviveu.

Ainda não se sabe se ela foi a autora dos crimes. Ela foi encontrada coberta com o sangue supostamente das vítimas. Junto com ela, foi encontrado um bisturi. As autoridades investigam. O local estava completamente isolado desde o incidente ocorrido há dez anos, quando um professor do ensino superior da capital surtou e matou friamente seis alunos. Nunca se soube exatamente o motivo, mas há especulações sobre um ataque de estresse pós-traumático, devido ao desaparecimento da mulher do assassino, pouco menos de um ano antes do ocorrido.

— Você viu essa merda, Jonatas? — perguntou Olivia, mostrando o visor do celular para o companheiro. O casal observava por cima do que restava do muro que cercava o antigo edifício.

— Você acredita mesmo nisso, Olivia? Fica tranquila, nada acontece aqui há anos. Pensa por um lado, apesar dessa espelunca estar decadente, vai ser o lugar perfeito para a festa deste ano. Não era uma festa a fantasia? Quer lugar melhor?