não durmo #3 💬 | tempo ao tempo ⌛ – a ansiedade ordinário de benjamin button
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Deixa eu te falar que por muitas vezes as narrativas
literárias e as cinematográficas acabam se distanciando por mais se
partam de uma mesma premissa. Não é incomum, não. Talvez
David Fincher
e
Eric Roth
soubesse disso quando adicionaram o romantismo a tragédia de
Benjamin Button. No livro ou no filme, o pequeno Benjamin nasce velho, isso não é um
spoiler, não se preocupe.
O filho do Sr. e da
Sra. Button nasce nos Estados Unidos em uma época tão diferente quanto
semelhante da nossa, onde o status quo é o unicórnio da sociedade, a
venda palatável que cobre a face dos mais afortunados.
Bom, foda-se.
A questão é, o pequeno Benjamin.
Quando a criança nasceu, foi um choque para o mundo, uma
"alteração no rumo natural das coisas", por assim dizer, sabe, nós
nascemos, crescemos, envelhecemos e morremos, mas não aquela criança.
Benjamin Button nasceu velho, o destino o colocou em uma rota
contrária. O livro discorre dramaticamente sobre essa questão, ou
melhor, o conto. A história se inicia em 1860, e traz claramente
críticas encharcadas de ironias sobre diversos pontos da sociedade e
época. Mas não vamos nos ater ao conto, imagino que isso poderia ser
um spoiler mais drástico do que falarmos do filme. Quando
David e Eric estavam prontos para filmar, eles sabiam o valor clara da
adaptação do livro ao cinema, não apenas para expressar sua
interpretação e reflexão sobre o evento proposto, mas porque
adaptações devem ser isso. Veja, Benjamin é abandonado em uma casa de
idosos, acolhido por uma mulher negra em pleno ano de 1918.Ele nasceu
velho, apesar do estranhamento do fato bizarro, em uma casa de idosos,
ele não seria novidade. Mas o amor e compaixão demonstrado por Queenie
ao acolher a criança começa a pincelar uma perspectiva do valor e amor
partilhado entre rejeitados.
1918, Estados Unidos, Queenie é negra, não preciso nem falar mais disso.

Benjamin cresce na contramão, precisa ser cuidado, suas fraldas trocadas, precisam lhe dar banho. Ele aprende a falar, andar, ler, brincar, se mete em encrenca. Benjamin se apaixona, se despede, se aventura, ele sofre e aprende a lição... Mas Benjamin está indo na contramão, ele não envelhece, mas está cada vez mais jovem... Parece o sonho de qualquer um, não é? A juventude para nós é um prato cheio de irresponsabilidade, medos e desafios, aventuras e apenas o momento, não importa o quanto você se guarde ou guardou para o futuro, nós somos jovens e sim, vivemos o momento. Mas chega um certo tempo em que o tempo acalenta o coração e parece dizer "hey, eu estou aqui com você". Medo, receio, curiosidade, não sei. Os dias parecem passar mais rápido mesmo tendo sempre a mesma quantidade abstrata de horas. Os marcos do nosso passado como rua em que vivemos, casas em que crescemos, tudo parece tão... Pequeno. "eu lembro dessa sala ser tão imensa, de correr por entre esses sofás, de brincar com a minha mãe", agora eu cuido para não me bater contra a porta ou tropeçar no sofá, e minha mãe...

O tempo não passa mais rápido, mas o coração aperta quando não
conseguimos mais perceber esse deslocamento, essa viagem temporal.
"E agora?". Os pensamentos começam a ficar cada vez mais
intensos, a responsabilidade te molda para sobreviver e o tempo...
Estou me sentindo velho, será que vou me dar conta quando estiver nos
40? 50? Eu vou ter medo de morrer quando chegar nos 60? Isso é, se eu
chegar. E se eu estiver sozinho, o escuro já me da medo, o silêncio já
me traz solidão, e se eu envelhecer sem ter com quem conversar, se eu
esquecer como se fala, ou meu próprio nome. Se eu ficar doente e não
puder mais sair olhar o sol caminhando com minhas próprias pernas, ou
se eu... ahhh.
Benjamin Button nasceu velho, cresceu,
talvez a palavra rejuvenesceu não faça jus aqui, vamos ignorá-la e
todas as regras e limitações da nossa língua por um momento? Okay,
Benjamin Button enjuvenesceu, e por mais que tudo parecesse
rosas, mas chega um certo tempo em que o tempo acalenta o coração e
parece dizer "hey, estou aqui com você". Benjamin agora
ensina lições, o sofrimento se torna agridoce, não há mais tantas
aventuras, ele não gosta mais de despedidas, a paixão são apenas
lembranças, não há mais tantas encrencas pois ele só quer ficar
tranquilo, ele se esquece das brincadeiras, se esquece de como as
letras formam palavras, ele desaprende a andar e falar. Precisam lhe
dar banho, trocar suas fraldas, precisam cuidar dele.
Estamos em constante rota de colisão com o destino oculto, mas o fato é que de uma forma ou de outra, tudo tem um início, um meio e um fim.
E no sentido contrário ou não, é interessante e um pouco assustador pensar na maneira como o "e se" é tão presente. Até parece que se os dias tivessem mais horas, ou que se o ano tivesse mais dias, ou a velhice estivesse um pouco mais distante, ou se pudéssemos voltar no tempo... Não importa. Sempre pensaremos "e se".
Desromantizando o tempo, o que sentimentos, o que Benjamin sentiu mesmo tomando o caminho contrário, é o que a ansiedade nos traz. Sabe, há muitos níveis? Tipos? Bom, ela é a amiga que nos esfaqueia pelas costas. Nas noites sem dormir, nos momentos de tormenta dentro da caixola, isso, uma tempestade de pensamentos, e lá no fundo, aquele mesmo questionamento, "e se". Nos conformamos em não nos conformarmos, pois talvez essa também seja uma etapa da nossa própria evolução, um eterno caso de amor e ódio com o tempo.
Por fim, segue alguns links interessantes 🔗
Bejamin Button - A Discussion (artigo en)
Uma história de desconstrução (análise irada em pt-br no Medium)
Um livro angustiante (perspectiva interessante sobre a obra de Fitzgerald)
Curious case (complemento en)
Sensação de que o tempo passa mais rápido (interessante :D)
- escreve/apaga 🗒️ (fixo - meu bloco de notas ainda está no ar, é uma
ferramenta criada para todos, lá você pode escrever o que quiser,
salvar em .txt e por mais que tu feche a janela, o seu conteúdo ainda
estará lá guardado quando tu voltar! Bom né.)
Por ora é isso, câmbio e desligo.
Publicado originalmente em Out/20
🧼👐💦