Março, 2020

deixa eu te falar que #4 💬 | velhas terras oníricas 💭 – o ciclo de vida da criatividade


deixa eu te falar que | 9 min de leitura 📖

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#detfq · detfq #4 - velhas terras oníricas - o ciclo de vida da criatividade


Deixa eu te falar que as crianças parecem ter um potencial infinito quando se trata de criatividade. Não estou falando apenas de fazer desenhos aleatórios sobre mundos fantásticos ou a forma como elas veêm o mundo que as rodeiam, mas aquela que soluciona problemas, o tipo de criatividade que todo adulto estúpido está constantemente correndo atrás. É, somos ordinariamente estúpidos. A infância é uma maré de possibilidade, uma infinidade de narrativas prontas para serem reveladas, tudo é um estímulo e acaba sendo incorporado em algum aspecto do processo criativo, em algum momento, algum ponto. Vamos lá, tente se recordar das brincadeiras, não aquelas em grupo, mas aqueles momentos seus, com seus brinquedos, bunda no chão e apenas a sua voz ecoando na sala. Para quem trabalha com literatura, ilustração ou algum segmento artístico, fica o meu “i’m sorry”, mas o que você podia criar de melhor, pode já ter se perdido no passado.


A criatividade tem como força motriz as incertezas da vida e se alimenta principalmente da evolução das nossas experiências. Quando criança, não temos medo de fazer linhas tortas, pintar fora do desenho, rasgar o papel ou quebrar o lápis, pois tudo está relacionado a experimentação e expressão. Nós não temos medo de cair do skate ao subir nele, é uma adrenalina diferente sabermos que cair é “okay”, o problema está em não tentar, não experimentar. Mas o tempo nos ensina que cair pode machucar, pode causar lesões, se for sério, pode complicar ou simplesmente podemos passar vergonha. As experiências aos poucos vão se limitando sob novas barreiras, impedimentos que nos abstraem das possibilidades. É um tanto quanto estranho pensar nisso, mas é a verdade.

“Há um monstro embaixo da cama!”, “Ridículo, monstros não existem.”, “Eu vi um E.T.!”, “Bobagem, se houvessem E.T.s já teriam destruído a Terra.”, “Achei um trevo de quatro folhas, vou ganhar dinheiro!”, “Não, você apenas acabou de matar uma planta.” Jorge Luís Borges escreveu sobre um rapaz chamado Funes:

“Havia aprendido sem esforço o inglês, o francês, o português, o latim. Suspeito, contudo, que não era muito capaz de pensar. Pensar é esquecer diferenças, é generalizar, abstrair. No mundo abarrotado de Funes não havia senão detalhes, quase imediatos.” — Funes, o Memorioso.

Esse é um trecho da história, e para a falar a verdade, é uma história super densa, mas o que podemos absorver aqui é o ponto da experiência. Vou ser um pouco exagerado, mas vai fazer sentido: Funes conhecia tudo, sabia de tudo, ele se recordava de tudo. Mas quando imaginamos, quando mergulhamos em devaneios solitários em terras oníricas com criaturas místicas e vegetação alienígena, o que estamos praticando é o ato de esquecer, de ignorar a realidade e suas convenções, mesmo que por um momento, de fantasia sobre possibilidades. De certo modo, Funes não conseguiria fazer isso, ele não poderia esquecer, seu conhecimento não lhe permitiria ignorar as leis da física ou aspectos da realidade, seria um absurdo… Talvez.

Mas de vez em quando temos o nosso momento criativo, de potencializar pequenas ideias e criar algo incrível, talvez não como Alice Walker, Steve McQueen ou Liniker, mas conseguimos fazer uma flor com linhas e círculos, não é? Certo, menos drama desta vez. Na publicidade e no design, aprendemos sobre a ideia de “sair da caixa” parte do princípio da quebra do que entendemos da realidade, a criatividade vem através do “por que não?”, há disciplinas que ensinam como desconstruir noções reais e transformá-las em fantasia, é a busca constante pela criatividade ou ao menos a fuga do bloqueio criativo, que felizmente, é possível, mas nunca seremos tão brilhantes quantos os pequenos humanos que em breve se tornaram tão inflexível diante do magnífico, quanto nós.


Por fim, segue alguns links interessantes 🔗

Ethan Hawke fala sobre permitir-se ser criativo :D

Usando o ócio a favor da criatividade (post no medium sobre como as pessoas criativas usam o ócio ao seu favor)

Uma perspectiva sobre processos criativos (post no medium com um olhar legal sobre processos criativos)

Resenha maneira sobre funes e a memória no ambrosia (se bater a preguiça de ler o conto, aqui uma resenha maneira)

Livro com o conto de funes, na amazon (caso você queira se aventurar nas histórias do Jorge)

Nº4 • ANO 1 • MAR/21
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