Junho, 2020

deixa eu te falar que #1 💬 | o monstro replicante 🎃 - cyberpunk de frankenstein a blade runner


deixa eu te falar que | 10 min de leitura 📖

Este é um texto da newsletter/podcast “Deixa Eu Te Falar Que”, clique aqui e se inscreva para receber em primeira mão ❤ | Você também pode ouvir esse conteúdo no Spotify, Soundcloud, Google Podcast, Apple Podcast e outros.

#detfq · detfq #1 - o monstro replicante - cyberpunk de frankenstein a blade runner


Deixa eu te falar que quando a criatura de Frankenstein ganhou vida através da criatividade de Mary Shelley, ele era o anúncio de um mundo que ainda estava por vir, como o presságio daquilo que hoje tememos e exprimimos através da glamurosa ficção científica. Mas muito mais do que um reflexo do que o futuro traria, o Monstro também é um reflexo do próprio ser humano, e em sua maioria, do que nos faz forte e ao mesmo tempo fracos, os sentimentos e a razão.

Para quem não conhece a obra de Shelly, a narrativa gira em torno de um monstro criado com partes de cadáveres e metal pelo médico Victor Frankenstein. Conhecido como Criatura, Monstro de Frankenstein ou Frankenstein, o ser acaba vagando por terras em busca de respostas para perguntas que se aprofundam no existencialismo. Dotado de uma força absurda e capacidades que ultrapassam a espécie de seu criador, seu maior tormento está em não ser aceito por ele e nem mesmo a sociedade. Mas essa rejeição não se trata apenas da sua aparência que se destaca como algo nauseante, mas também sua espécie, deslocada e desprezada.

O mundo era para mim um segredo que eu desejava decifrar. Entre as mais antigas sensações de que posso me lembrar estão a curiosidade, a pesquisa dedicada para aprender as leis ocultas da natureza e uma felicidade equivalente ao júbilo quando elas se revelam a mim. - Frankenstein, Mary Shelly

Pulando alguns anos em um futuro onde arranha-céus se estendem até as nuvens e as ruas são tomadas pelo caos, violência, opressão, desigualdade e tudo o que poderia compor um mundo distópico, o monstro do futuro, mesmo se assemelhando ao seu criador, ainda vaga deslocado e em busca de respostas para dúvidas que atormentam sua existência. Assim como Frankenstein, os Replicantes apresentados em Blade Runner são obras do capricho humano, uma tentativa turva de agir como Deus e desprezar sua criação. Neste universo futurista, Roy, o líder rebelde replicante embarca em uma jornada sangrenta até Eldon Tyrell, seu criador, em busca de conseguir prolongar sua vida e compreender os motivos da sua própria existência. 

Seja em uma forma aterrorizante como o Monstro ou com o tempo de vida marcado como um mero produto, em ambas as narrativas os personagens se deparam com dúvidas que o próprio ser humano vem se arrastando desde o princípio. Qual é a razão da vida? O que levou o Criador a nos rejeitar e punir com a mortalidade? Por qual motivo nós conseguimos ter um vislumbre tão magnífico da ignorância, mas não nos cabe a compreensão de que as respostas que buscamos são as que menos importam? Somos tão humanos quanto monstro e replicantes, e por mais que tenhamos a consciência das diversidades, erros e ou acertos, parece que estamos em um eterno ciclo de erro e reflexão. E o acerto?

Uma experiência e tanto viver com medo, não é? Isso é o que é ser um escravo... Eu vi coisas que vocês não acreditariam. Ataque de navios em chamas no flanco de Orion. Eu assisti Armas de Césio brilharem na escuridão no Portal de Tannhäuser. Todos esses momentos serão perdidos no tempo como lágrimas na chuva. Hora de morrer. - Roy, Blade Runner

Quando Roy se encontra com seu criador, assim como o Monstro, sua natureza - se pudermos colocar dessa forma - prevalece, um reflexo fervoroso de sentimentos amargos como tão semelhantes são também para nós. Ao mesmo tempo que lhes pesa aquela atitude e ambos se vêem fragilizados pela sua consciência. Tyrell responde a busca incessante do replicante líder, revelando ser impossível prolongar sua vida. Roy reage com fúria e o mata, criando ali o ponto de ruptura entre as amarradas da sua jornada e a liberdade.  Independente de sua natureza, esse momento pode ser visto como o ápice em que o replicante deixa de ser apenas uma máquina e mostra o seu lado mais humano. Apesar de na história de Frankenstein o Monstro não ter acabado com a vida do seu criador como Roy, os eventos finais do livro também o guiam para o final da jornada e assim como em Blade Runner, cumina no momento mais humano da criatura, o flajelo diante do destino final.

Mas o que impediu o Monstro de matar seu criador? E mesmo que Roy tenha matado Tyrell, nas cenas finais do filme, Deckard despencaria do prédio se Roy não o tivesse segurado. Qual o sentido? Talvez ao se libertar da sua jornada, o replicante teve consciência de que seus atos já não importavam para mudar o seu destino, pois ele sabia que morreria, essa consciência sobre sua própria morte pode ter feito com que ele entendesse a vida, ao menos o seu valor, e portanto, em um ato de compaixão, impediu um final traiçoeiro para o agente Deckard.

Em Detroit: Become Human, uma narrativa incrível em forma de jogo, os andróides conseguem se libertar da sua programação criando autoconsciência. Aos poucos, as inteligências artificiais vítimas de atos humanos começam a fugir e se reunir, se questionando sobre sua existência, seu destino e direitos, para que possam conviver pacificamente, mas de forma livre entre os humanos. Em muitos aspectos a trama reflete o universo de Blade Runner e Frankenstein, não apenas esteticamente, como em suas filosofias. Outro assunto que se destaca no jogo são os direitos dos andróides e até que ponto - por conseguirem simular as emoções e sentimentos humanos, eles merecem ou não ter voz na sociedade. Ainda na trama do jogo, presenciamos sentimentos sendo explorados pelos andróides como o medo, o luto, a raiva, a compaixão e o senso de responsabilidade com o mundo que os rodeia, inclusive os seres humanos.

Olho pro olho, e o mundo ficará cego. Não vamos punir um crime com outro crime. - Marcus, Detroit: Become Human

Seja monstro ou replicante, mantém-se a ideia de criar à própria imagem e em ambos os casos isso foi feito de forma majestosa, seres artificiais da razão capazes de simular o que nos torna o que somos, o sentimento, o que poderia ser mais humano do que isso?


Por fim, segue alguns links interessantes 🔗
Frankenstein para download (se você ainda não leu, essa é uma oportunidade, o livro está no formato PDF e é só baixar)

Blade Runner e Blade Runner 2049 (dois filmes incríveis que se complementam de forma perfeita! tem no  netflix!)
Redescobrindo os Herdeiros de Mour #4 🦁 (havia prometido um capítulo toda semana, mas tive que dar uma pausa com Os Herdeiros de Mour pois haviam pontas soltas. Bom, os nós foram feitos, agora vamos ver onde vai dar. Não conferiu o último capítulo? Então aproveita!)

Para saber mais sobre Cyberpunk (a Adriana Amaral publicou esse livro irado!)

Frankenstein, Ghost in the Shell etc (um artigo maneiro ainda sobre o assunto no Neon Dystopia)

Por ora é isso, câmbio e desligo.

Nº1 • ANO 1 • FEV/21
Publicado originalmente em Jun/20
assine #detfq
apoie o autor
compre meus livros e artes

🧼👐💦

Apoiadores: @causpin @wandkam @nanda.munhozbarth @christophergrochewski @bead4tuning @larissafonsil @agathakosiski @vanebley @majurasmask @taahguassu


Se você gostou, assine minha newsletter para não perder nada e considere se tornar assinante mensal no Apoia.se, sua contribuição me ajuda a continuar produzindo cada vez mais!
Câmbio e desligo.